Primeiro que tudo, um aviso à navegação: quem está à espera
do dia 9 para ver o episódio no AXN ponha-se já a milhas daqui p’ra fora para
não estragar a surpresa.
Depois de o episódio ter estreado ontem à noite na BBC, foi
a histeria total no tumbas, no face e no twitter, como seria de prever. Ok, a
espera foi longa e toda a gente estava ansiosa, mas impressionou-me o facto de
o pessoal reagir com tanto espalhafato, a dar saltos de contente, e ai que maravilha, e foi o melhor episódio de todos, como vários chegaram a pôr. Pois
não foi. Foi giro, e foi bom rever as personagens ao fim de tanto tempo, mas os
argumentistas esticaram-se tanto que começo a temer bastante pela saúde da
série.
Comentei num grupo do facebook que o episódio me parecera
demasiado frenético e que o Sherlock, o Mycroft e o Anderson tiveram cenas um
tanto fora da personagem. Estávamos no rescaldo do episódio e houve logo uma
série de gente a refilar e a rebater. Como é difícil manter uma discussão no meio
de uma data de malta ainda em delírio, argumento agora aqui, ora bem, que é
para isso mesmo que eu tenho um blog.
Por ritmo frenético, não me refiro
à velocidade das sequências de flashes em que seguimos as deduções do Sherlock;
muito pelo contrário, essas sequências sempre foram óptimas e fazem parte do
carácter visual da série – eu referia-me aos cortes entre as cenas. Depois da
pequena maravilha que foi o episódio de Reichenbach, absolutamente impecável e
fluído em termos de realização, a primeira impressão deste retorno é de que se
esforçaram tanto para meterem tanta coisa num episódio só, que algumas cenas
tiveram de ser abreviadas, aceleradas ou simplesmente cortadas rente. Em vez de
procurarem envolver o espectador, puxá-lo para dentro da narrativa, preferiram
chocalhá-lo, puxar-lhe o tapete e gozá-lo descaradamente – ok, até aí nada
contra, é uma estratégia que também funciona, mas o resultado final ficou com
um ligeiro travo a vinho a martelo.
A sequência da mota por vezes
parece ter saído de um filme de acção de baixo orçamento, a começar logo pela
maneira como o Sherlock a decide “requisitar” – completamente caricato, quase
como num desenho animado. Tem piada, ok, mas credibilidade…?
O que nos leva ao segundo ponto –
a questão das personagens a fugir à personagem. O Sherlock a andar de mota? Ok,
o moço esteve dois anos desaparecido e sabe-se lá o que terá andado a fazer;
pode ter-se tornado um homem de acção e aprendido a fazer acrobacias. Descer
escadas numa mota não será lá muito fácil, fazer slaloom por entre as colunas
de corredores apertadinhos, pior ainda, mas subir uma escadaria com pendura e
tudo parece-me coisa para um duplo profissional. Ok, pois, não sabemos o que
ele andou a fazer, mas… isto ainda é o Sherlock?
Da mesma maneira, podemos aceitar
que os tempos que ele passou na clandestinidade lhe tenham desenvolvido o
sentido de humor e o gosto por pregar partidas impróprias para cardíacos (pobre
do John…). Mas custa-me a crer que alguém que sempre foi tão reservado e frio
comece agora a armar-se em engraçado, sem se importar de fazer patetices em
público. No final, quando ele põe aquele chapéu que detestava tanto para ir
ao encontro dos jornalistas, a quem nunca deu cúnfia nem quis prestar
declarações, tive vontade de dar porrada no argumentista (por muito que eu
adore o Gatiss e a sua propensão para o humor negro, isto passou um bocado das
marcas). Se agora me disserem que o Sherlock entretanto voltou a fumar erva ou
mesmo a meter p’á veia, ainda poderá ser uma explicação aceitável, caso
contrário isto não me está a agoirar nada de bom.
O Mycroft foi talvez o maior
estampanço de personagem, o que até dói, uma vez que foi o próprio actor a
escrever o episódio. Na cena em que ele se revela ao Sherlock, na prisão, percebemos
que afinal poderia ter libertado o irmão a qualquer momento. Ou seja, o sacana é
um sádico do piorio e estava ali simplesmente a divertir-se. Um bocadinho
demais, não? Assim que o guarda vira as costas, o Mycroft apresenta-se, diz-lhe
que tem um trabalho para ele e remata com o “acabaram-se as férias; vais voltar
para a Baker Street” – e isto já não é só o cinismo habitual, é um grave
problema mental.
O Mycroft não tinha portanto
dificuldade nenhuma em tirar o Sherlock dali. Afinal, estava a passar-se por um
oficial superior. No entanto, esteve de perna traçada a apreciar o enxerto
de porrada que o irmão estava a levar.
Quando o guarda pergunta do
Sherlock se ele ainda se lembra do que é dormir, pega numa barra de metal e só
não lhe racha o crânio porque nesse momento ele murmura qualquer coisa. Porque
até em condições daquelas o Sherlock consegue ver pormenores e fazer deduções
incríveis - o homem não é decididamente humano. E pois, note-se que o bom do Mycroft também ia deixar o outro
rachar-lhe a cabeça ou pelo menos partir-lhe uns ossitos à cacetada.
Entretanto, o guarda acredita à primeira
no que um prisioneiro maltratado lhe acabou de dizer e abandona logo o posto,
como qualquer militar sérvio. Pois. Porque o argumento da luz da casa de banho
avariada era inabalável, calculo…
Pelo estado das costas do
Sherlock, o desgraçado foi flagelado com um daqueles chicotes de tiras que têm
pregos/lâminas/ganchos nas pontas, especialmente concebidos para cortar e
arrancar bocados de pele. Yikes. O
tipo de lesões que deixa cicatrizes grossas e empoladas que nunca mais
desaparecem. E o Mycroft, que andou este tempo todo a dizer que se preocupa com
o irmão mais novo e que o pode tirar dali, está todo refastelado a
apreciar a cena muito descontraidamente, com os pés em cima de um banquinho, e
só se resolve a tirar dali o mano quando se acaba a diversão. Mais tarde, o
próprio Sherlock acusa-o exactamente de ter ficado ali a assistir e a gozar o
prato, mas pelos vistos isso não chega a ser motivo para cortarem relações
outra vez.
Logo a seguir, o Mycroft comenta
displicentemente que aprendeu sérvio em algumas horas.
Ok… Gatiss, meu lindo, a sério,
não achas que te estás a esticar? E um bocadinho de credibilidade? Não…?
Mais adiante, temos uma cena
óptima entre os dois manos no apartamento do Sherlock, em que eles trocam os
galhardetes habituais. Fixe, até parece que voltámos a entrar na linha. E de
repente vemos que eles estão a fazer o jogo das operações, com o boneco e as
pinças. Também me ri bastante, pronto, teve piada, concordo. Mas não tem nada a
ver com o Mycroft. Logo ele, a alinhar numa brincadeira para miúdos? A
propósito de quê? Da piadola, claro, mas este Mycroft saiu de um universo
alternativo e não tem nada a ver com o gajo que nos apresentaram nas duas
séries anteriores.
Quanto ao Anderson, consigo
perfeitamente aceitá-lo como um tipo transtornado pela culpa, convencido de que
tinha contribuído para levar o Sherlock ao suicídio. Mas a cena em que ele
arranca os papéis da parede e se atira para cima deles a rir-se que nem um
maluquinho… enfim, vamos pensar que o homem está com um esgotamento nervoso. É
talvez um dos exageros menos difíceis de engolir, mas não deixa de ser um
exagero. Afinal, eles são britânicos.
A conclusão do Anderson é a que
fica do episódio: ninguém percebeu ainda como é que o Sherlock se salvou e
continuamos com as dúvidas todas. Pode ser que ainda venham a explicar a coisa,
assim como o que realmente se passou durante a célebre conversa no telhado
entre o Sherlock e o Moriarty, que é a parte que me interessa mais. Se tiveram
todo aquele trabalho a deixar pistas e a pôr o pessoal a especular durante dois
anos para depois deixarem tudo em águas de bacalhau, acho que a popularidade
dos argumentistas vai cair a pique. No entanto, o Moffat e o Gatiss são meninos
para nos deixarem pendurados, do estilo “explicações…? Mas nós já explicámos…”
Pois.
Por falar em pontas soltas: logo
ao princípio temos aquele anúncio na imprensa, de que afinal o Moriarty era
real e de que o Sherlock estava ilibado, mas não dizem como é que chegaram a
essa conclusão. Até podemos pensar que houve ali dedinho do Mycroft, para poder
trazer o irmão de volta. E afinal, a imprensa são apenas “contos de fadas”,
n’é? Espero bem, porque se ninguém voltar a falar nisto eu vou ficar muito,
muito desapontada.
Foi o episódio com mais piadas de
toda a série e talvez seja por isso que agradou tanto aos fãs – antes de acalmarem
um bocadinho e olharem para aquilo mais a frio.
Tiveram a preocupação de incluir
uma série de referências ao fandom (“I believe in Sherlock” – Anderson dixit;
as teorias malucas; o slash gratuito entre o Sherlock e o Moriarty) e ficámos
finalmente a saber porque é que eles tinham estado a gravar mais cenas no
Barts. Como o realizador e os argumentistas gostam de enganar o pessoal com a
verdade (hide on plain sight…?), disseram que tinham gravado algumas cenas
falsas por causa do público que ia assistir às gravações. Ok, é isso mesmo,
eram de facto cenas falsas, mas que afinal também entravam no filme. Como
falsas. Topam a gracinha?
Na altura, soube-se que a
explicação da cena do Barts já tinha sido gravada. Quando os vi a montar aquele
arraial outra vez, achei que tinham voltado ao local para filmar mais uns
excertos, pormenores que tinham querido incluir na montagem à última da hora. É
frequente acontecer. Mas afinal a causa para o arraial foi a reacção dos fãs
durante estes dois anos, as teorias todas que apareceram e o facto de a maior
parte do pessoal estar mais interessada em saber como é que o Sherlock
sobreviveu do que em deslindar o esquema do Moriarty. Há bocadinho passei no
facebook e lá estava mais uma a pedir “digam-me só como é que ele ficou vivo,
que eu não consegui ver o episódio”. Esquisito. Ok, eu devo ser do contra. De
qualquer maneira, foi simpático terem feito aquelas gracinhas todas à nossa
custa – parti-me a rir com a cena do manequim no telhado. Mais ainda com os
comentários do pessoal que acreditou na sequência de abertura, com a corda de
bungee jumping.
Na cena do beijo com o Moriarty,
imagino que se tenha ouvido um coro de miúdas a guinchar na vizinhança toda,
tal como eu ouço por aqui uma data de gajos aos gritos sempre que joga a selecção.
O reencontro dos dois amigos foi um
pratinho porque meteu soco, cabeçada, cadeiras viradas e tentativas de
estrangulamento, com o John a saltar aos gasganetes do Sherlock e tudo.
Bastante melhor do que o desmaio original na história d’A Casa Vazia, concordo.
E a propósito do original, achei
uma delícia a transformação da cena do Sherlock disfarçado de vendedor de
livros. Aqui, aparece um vendedor de DVDs e revistas porno, e que afinal é
mesmo autêntico (pobre John…). Os títulos que o vendedor mostra são alusões aos
originais – Tree Worshipers (adoradores de árvores) em vez de Catullus (que
escreveu sobre a adoração às árvores), Holly Horrida em vez de Holly War
(guerra santa) e o trocadilho do British Birds (pássaros britânicos/gajas
britânicas). Maravilha.
Quanto a este lorde Moran do
episódio, aparentemente não tem nada a ver com o Moran original, mas como já
tinham feito transformações semelhantes com a Irene e com o Moriarty, isso não
me incomoda nada. Só foi pena não o vermos mais em cena, mas calculo que tenha
sido por falta de tempo para desenvolver a personagem (completamente muda, como
um figurante – bof).
Será portanto de esperar que façam
alterações semelhantes ao Charles Augustus Milverton, porque não estou nada a
ver porque é que um chantagista ia querer raptar o John e fazê-lo correr risco
de vida para obrigar o Sherlock a ir salvá-lo. Ainda não dá para ver o
objectivo. Li algures ontem à noite que a malta está a apostar na Mary como a verdadeira
vilã da temporada (quando o Sherlock a “lê”, aparece a palavra liar – mentirosa). Eu acreditaria mais na
Mary como um peão do chantagista (que aqui pode ter passado a domador de leões
ou a canalizador, evidentemente).
Já agora, quando fazem as
fogueiras no 5 de Novembro (Guy Fawkes
night – googlem se quiserem saber a história) costumam observar o interior
da pilha de lenha com lanternas antes de a acender porque os ouriços acham que
aquilo é uma bela toca e por vezes vão-se lá instalar. Aqui, pelos vistos,
ninguém quis saber dos ouriços. Porque senão lá se estragava o impacto.
Enfim, vamos aguardar pelo próximo
episódio, que é já no domingo. Espero bem que a coisa melhore. O argumentista é
o Steve Thompson, o tipo que escreveu o Reichenbach, por isso estou cheia de
fungas para ver o que vai sair dali.
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