25.12.07

Diário do Oeste - 2

25 de Dezembro, dia de ressaca para grande parte do pessoal, não só do champanhe mas também daquela comezaina toda da noite de 24. Não é o meu caso, que desta vez não fiz abusos e portei-me bem… e mesmo assim o sacrista do Pai Natal deu-me umas pantufas em pano de cobertor e um belo pijaminha azul cueca, a última moda do chinês. Bem, pelo menos lá se lembrou de me trazer o livro do Harry Potter, portanto ainda não está assim tão xexé.



Oh pra mim de pijama azul e pantufinhas (ghhh...!)

Coisa mais linda, dois cabritinhos recém-nascidos, um todo preto e o outro preto e branco, já aos pulos à volta da teta, de rabinho no ar e a abanar a toda a mexa. Pena minha não poder aproximar-me, que havia uma cerca entre eles e eu e os quadrados de arame não aguentavam comigo sem ficarem todos tortos, senão bem que tinha saltado a vedação só pela fuçanguice de lhes tirar o retrato (‘tá visto que eu devia ter comprado uma maquineta com mais zoom). Assim, tive de me contentar em fotografar umas ovelhinhas que por ali andavam, mais um bode malhado que veio quase até à cerca para fazer o reconhecimento, “olá bicho preto, tens alguma coisa pra mim?” 
Segundo me contou um fulano que entretanto apareceu, aparentemente tão curioso como o bode malhado, na véspera já tinham nascido outros dois; consequências da lua cheia. E tranquilizem-se vocês todos, que os cabritos mais a progenitora foram devidamente recolhidos para dentro do estábulo antes de o sol se ir embora, que isto por aqui tem feito um frio do caraças.


Olá... temos visitas?
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Que queres tu daqui, hem?
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Ao menos tens aí alguma coisa que se trinque?
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Assinalável a capacidade de resistência ao frio que os indígenas adquiriram ao longo de várias gerações a bater o dente… ou talvez seja antes uma espécie de resistência aos casacos, porque se repararmos bem eles afinal batem os dentinhos como qualquer sulista desprevenido, mas parecem ter uma estranha aversão aos agasalhos. Pela conversa de alguns, é quase como se um casaco fosse uma peça de luxo, que só usa quem tem dinheiro, ou em ocasiões especiais (um dia ainda vou observar os nativos à saída da missa, a ver quantos é que vestiram o casaco – se me conseguir levantar da cama suficientemente cedo, claro). Bom, estes indígenas a que me refiro não são os meus vizinhos, estes são os das aldeolas ao redor da vila, porque aqui onde eu moro o pessoal não tem ideias frescas - frio = camisola de lã + casaco por cima. Eu então estou neste momento com dois edredões na cama e um cobertor, para além dos lençóis de flanela, da borracha de água quente e do gato. E mesmo assim começo a considerar que aquela moda dos antepassados, de dormirem com um barrete enfiado na cabeça, até é capaz de ser uma ideia óptima num clima destes.

13.12.07

Diário do Oeste - 1

São cinco e um quarto e o meu horizonte de quase 360 graus está lavanda claro. A vantagem de viver numa torre é esta paisagem toda. A desvantagem é ter de chegar cá acima, porque não há elevador. À noite levanta-se vento, as janelas estremecem todas e as frestas uivam, ao melhor estilo casa assombrada (weeee!!!). Ok, já sei, agora no Inverno vou ter de calafetar isto tudo para poupar energia e essa coisa toda, mas por enquanto é bastante fixe.

Além das compras semanais para me abastecer, a única saída do dia é normalmente o ginásio. Até agora tem sido a melhor oportunidade para observar os indígenas da Terra dos Loureiros e para ter algum contacto com eles. É muito mais difícil relacionar-me com os nativos daqui do que na ilha; o que é perfeitamente normal e previsível, porque lá eu estava em casa de famílias que me misturavam com outras pessoas e aqui estou sozinha com o gato.
Mas voltando ao ginásio. É um tanto diferente de todos os outros por onde passei até agora. Agrada-me bastante porque o treino é bastante melhor do que o do Cacém City, por exemplo, mas espanta-me o facto de grande parte dos homens tomarem suplementos e de alguns andarem a meter esteroides à descarada. Na semana passada houve um concurso qualquer a que uns quantos deles foram assistir, o concurso do Mister Batatas, com certeza, a avaliar pelas imagens do cartaz. E estranhamente os meus colegas olhavam para aquilo com alguma inveja confessada, por não se sentirem à altura dos batatudos do cartaz. Às vezes é bastante evidente que o ideal de beleza dos homens e das mulheres é muito diferente do que seria de esperar. Claro que isto não se aplica a toda a gente, mas pela tendência geral o ideal dos moços é tornarem-se cada vez mais musculados, até chegarem ao exagero daquelas batatas aberrantes dos super-heróis da banda desenhada rasca, que costumam meter nojo à maioria das mulheres. Por outro lado, o ideal das meninas é tornarem-se cada vez mais magras, o que acaba inevitavelmente numas perninhas estilo palito arqueado, o que as torna bastante desinteressantes para a maioria dos homens. Há aqui qualquer coisa que não bate certo... Até mesmo em termos de evolução da espécie. Mas isto não tem nada a ver com evolução, tem a ver é com uma tendência cerebral qualquer para cairmos facilmente no exagero. É claro que isto é só para quem persegue o tal do ideal de beleza, como os moços do ginásio que emborcam esteroides; a maioria do pessoal até pode ter ideais, mas parte do princípio que são inatingíveis ou que exigem demasiado esforço e continua de cu sentado no sofá a trabalhar para a banha, ora pois.
É um sítio onde falta muita coisa. Tenho de ir a Torres para arranjar seitan, tenho de encomendar a comida para o gato porque ninguém tem a marca de que ela gosta, há quinze dias que o Minipreço não tem suicinhos dos meus e no mês passado nem sequer havia selos nos Correios (!!!).
A corrente eléctrica é bastante irregular, daí que o fulano que me vendeu o meu lindo computas me quisesse impingir um estabilizador, que na altura achei perfeitamente dispensável. De facto, há dias em que a maquineta se apaga e reinicia, como se eu tivesse carregado no reset, ao mesmo tempo que a luz do candeeiro fica mortiça e amarelinha e o meu gravador de chamadas se desliga com um trlipipi e fica tudo em branco. Por outro lado, quando há tempestade (já apanhei várias desde que cá estou), o gravador farta-se de se manifestar e há um candeeiro que se acende sozinho, enquanto os carros lá em baixo tocam os alarmes em coro – uma festa. Nunca me tinha acontecido destas no Cacém City.
Mas em compensação o ar é muito mais leve que o da cidade e a vila é suficientemente pequena para se poder ir a todo o lado a pé. Há duas farmácias na terra, uma perto da outra, o que quer dizer que não é preciso ir muito longe para encontrar a que está de serviço.
Normalmente não há gente à espera nas urgências do posto de saúde, é chegar e entrar. É claro que nos mandam para Torres ou para Lisboa à primeira dificuldade, mas a rapidez é bastante reconfortante para quem está à rasca.
De vez em quando há casas assaltadas e carros roubados, mas ainda não ouvi falar de ataques directos, tipo “para p’ra cá a carteira”, nem nada que se pareça. Só os crimes passionais e os ajustes de contas próprios das terras pequenas, onde toda a gente se cusca uns aos outros e se sabe logo quem é que pôs os palitos a quem e quem é que andou a lixar o negócio ao parceiro – o trivial, inofensivo para quem não se mete em sarrabulhos. ...Esperemos.

Aqui há dias o fulano da bomba de gasolina perguntou à minha tia se eu era viúva. Aparentemente não há mais góticos por aqui, mas também ainda não saí à noite, não vi a fauna nocturna local; talvez eu seja exemplar único, mas não acredito. Mas como não será pelo menos habitual, a malta estranha. E se assim não fosse, quem estranhava era eu.

E vocês viram o Bush e respectiva famelga a fazerem figuras tristes na televisão? Bom, de facto eu nem sequer liguei ao que estavam a dizer, acho que era uma treta natalícia qualquer, porque a minha atenção estava toda focada nos canitos, dois scottish terriers (= pelo-de-arame todo preto de patinhas curtas, para quem não está a ver), que é uma raça que me agrada muito por ser bestialmente activa, tipo cão a pilhas, danado prá dentada, e que no entanto ali no anúncio pareciam uns pastelões, que nem pica tinham para correr atrás da bola. O comportamento dos canitos era tão atípico, que não posso deixar de perguntar – será que aquele sacana anda a dar calmantes aos cães?! Cá p’ra mim eles estavam pedrados. Palavra. Como se já não bastassem as outras barbaridades todas...