13.6.12

Diário do Oeste - 38

O ermita fez anos.
Uma chatice, mas pronto, lá temos de cumprir o calendário (porque só há uma tardis e já tem dono, senão iam ver...)
Em tempos que já lá vão, era da praxe tirar sempre a fotografia oficial do dia dos anos.
Primeiro era coisa de fotógrafo, daqueles em que nos sentavam numa cadeirinha, nos ajeitavam a posição e depois queriam que a gente se risse para a maquineta. Regra geral, ficávamos com o ar rígido e postiço de quem está a enfrentar estoicamente um pelotão de fuzilamento. No meu caso, a seguir ainda tinha de usar a dúzia de photos horrendas que dali saíam para os arquivos da escola, para o passe e para tudo o que fosse cartão oficial durante aquele ano. Brrrr...
Mais tarde optei pelas sessões de photos em casa, ainda que por vezes não se aproveitasse nem uma - ou porque eu 'tava gorda que nem uma texuga, ou cheia de borbulhas, ou porque ficava simplesmente um estafermo - mas isso já não era culpa do fotógrafo, era da falta de massa para um cirurgião plástico, portanto nada a fazer.
Mas entretanto o tempo tratou de me transformar numa velha maluca, passaram-me as peneiras (que remédio...) e cá vai disto, ora pois:
A photo oficial dos 47 anos do ermita. Toda torta, com a mão no ar e uma flashada no espelho, com os meus óculos de avozinha e tudo, e 'tá a andar de mota. Olé!
Posto isto, podem mandar os parabéns, os postais, as prendas e os cheques aqui para a Terra dos Loureiros. Ok, adiante.


Dia um tanto chocho, a fazer caretas, de vez em quando com sol e volta e meia quase a chover. Parecido com o meu estado de espírito. Fico sempre c'a telha nos aniversários, é normal. Mas foi então que a tia teve uma ideia:
"'Bora a Óbidos beber uma ginja!"
Falou-se em copos e arrebitei logo as orelhas, claro. Bicoques é comigo. Dispenso a chávena de chocolate que se tornou moda de há uns anos para cá - normalmente sabe a velho - mas gramo à brava a ginja do árabe (o Ibn não sei das quantas), uma coisa docinha e espessa em copo de vidro, com um tamanho muito decente, onde uma vez me caiu uma mosca. Só dei por ela quando lhe senti as patinhas a fazer-me cócegas no lábio e até pulei com o susto. Mas depois de salvar a mosca bêbada, acabei com a ginja na mesma, olha não...
Mas afinal batemos com o nariz na porta; o árabe estava fechado e acabámos por ter de ir beber a ginja ao barzinho mais próximo. Não era má, pois, mas nem de longe era tão espessa nem tão doce como a do outro e o copo era um dedal tão estreitinho que nem dava para cair uma mosca lá dentro.

E vamos então às photos do dia. Um tanto roscofs, mas foi o que se arranjou:
Chegámos lá e começámos logo a ouvir uns gajos a cantar. Mais adiante, descobrimos que era um bando de miúdos com um monitor entusiasta, de guitarrinha em punho, a puxar por eles à força toda, senão os putos não iam nisso - e mesmo assim havia aqui uns quantos a baldar-se descaradamente ao yupi yupi ai na cantiga da tia de Marrocos. Devem saber qual é.


Uma torre do castelo forrada de trepadeira.
Quando eu via casinhas com as paredes forradas de trepadeira e dizia "ai que bonito", a minha progenitora respondia invariavelmente que aquilo era o ninho das osgas, que com certeza entravam pela janela e iam ter com o pessoal à cama. É claro que isto para mim não era uma ameaça, era mais um atractivo...
Mas não acredito que as osgas fossem ter comigo à cama. Só se eu lá tivesse uns percevejos suculentos, e mesmo assim duvido muito.

 Mais para cima: a mesma torre num contraluz indecente, com as antenas no ar,

 e as florinhas da trepadeira das osgas.


E mais para baixo: uma bela hortense junto ao muro do castelo:

Para cima outra vez: o arco entre as duas torres, com bandeirinhas e tudo.

E aquela casa da esquina que toda a gente fotografa. Não ficou grande espingarda, porque nesta altura o sol estava escondido e o contraste saiu um bocado empastado.

A rua por ali abaixo, ao lado da casa da esquina:
O pessoal por aqui deve ter a perna musculada, à conta destas ruas de sobe e desce.

E entretanto havia por lá uma exposição de espantalhos, aparentemente feitos por miúdos. Havia um ao pé do grupo dos putos a cantar e logo ao lado estava uma espantalha vestida de ceifeira:

Uma casa com data.

A rua principal com um bando de turistas à carga lá ao fundo, a esgravelhar pelas lojas adentro, acabadinhos de sair da camioneta.

Dois galos todos arremelgadinhos à porta de uma loja de artesanato. Calculo eu, que não fui lá espreitar; a rua era tão inclinada que tive medo de dar um bate cu na calçada, por isso limitei-me a fotografar a varanda de longe, sem ir lá meter o nariz.
Mas também ninguém se lembra de ir para Óbidos de saltos altos. Na verdade, foi uma maneira de compensar as pernas da tia - uma vez que ela não podia andar muito, assegurei-me de que eu também não ia poder ir longe, senão coitada da senhora, às tantas ia por mim e qu'é dela?, porque eu já sei que em me apanhando a andar é só comigo. Sobretudo quando há um mosquito qualquer lá adiante que eu resolvo que tenho de ir fotografar.

E agora, lembram-se da história da fuga dos chatos para o Egipto? Versão actualizada:

À entrada das muralhas, mesmo antes de sairmos:
 Não, tudo bem, não é um paradoxo.

Além da ginja, a tia ainda enfeirou num moinho para o puto do afilhado:
Num banquinho já do lado de fora, ao lado de mais um espantalho. O moinho estava a rodar a toda a mecha, mas a photo conseguiu agarrá-lo quase focado. Não me perguntem como.

A casa por cima da cabeça da tia, também com a data na parede:

E em seguida voltámos pela estrada velha, para ver as vistas, parámos no café das bombas e morfámos um prato de caracóis com duas bejecas, rematado com uma bela bifana. Ah sim, foi um óptimo dia de anos.

Agora voltando atrás;
O progenitor passou não sei quantos meses sem aparecer na Terra dos Loureiros, mas aqui há uns quinze dias deu finalmente à costa e fomos todos dar uma curva. A ideia começou por ser irmos à praia da Peralta à procura de um calhau. O dito calhau era um granda pedregulho à beira de água com um belo osso de dinossauro lá metido. Ele tinha-o visto da última vez que tinha estado naquela praia, mas logo por azar nesse dia tinha-se esquecido da máquina fotográfica. Desta vez, à falta de uma, levávamos três máquinas: a minha, a dele e a da minha madrasta. Todos a postos para fotografarmos o osso e irmos a correr mostrar ao museu (provavelmente até já estará referenciado, mas pronto). Mas quanto ao raças do calhau, népias. A areia tinha-o tapado outra vez. O progenitor reconheceu as referências na barreira, mas só se via uma pontinha de pedregulho a sair da areia, tipo iceberg, e mesmo assim pode ser aquilo ou não - porque eu tenho grandes dúvidas a respeito das tais referências; eles já cá não vinham há que tempos e a barreira está constantemente a esboroar e a mudar de aspecto. Aliás, a praia até avisa os incautos sobre isso:
 Zona de queda de pedregulhos e de amantes suicidas.

À falta de achados arqueológicos, o meu pai desatou a deitar a mão a tudo o que via. Cócegas do ofício. Às tantas pegou numa bóia toda nojenta, a cheirar a peixe podre, e eu, a ver se o convencia a largar aquilo, agarrei na máquina e disse:
"Vais já direitinho para o blog; o meu pai a apanhar lixo na praia!"

Mas ele não se importou nada com isso. Ainda fez pose com o raças da bóia e a seguir deitou logo a unha a um isco de plástico e pôs-se a fazer-me negaças para a câmara:


Ok, eu tenho a quem sair, pois.

Uma vez que não havia calhaus para fotografar, fomos até Peniche ver as vistas. Pouco nos demorámos por lá, mas entrámos num café e às tantas sai-me um pombinho de baixo da cadeira:

Andava às migalhas, a ciscar o mosaico todo porreiro, sem medo de ir parar ao tacho das ervilhas nem nada. Não se convenceu a vir-me comer à mão (querias...), mas ainda posou para o retrato com uma patinha no ar:
E a seguir foi ciscar para a esplanada, por entre os turistas e o resto do bando de pombos.

Mais adiante, acabámos a voltinha na esplanada de outro café e o progenitor mais a madrasta resolveram pedir chocolate quente. Como seria de esperar, tinha bom aspecto mas era uma merda. Claro que eu me safei em grande - pedi uma imperial, que vai sempre bem, porque já há muito tempo que deixei de cair nessa treta do chocolate quente.
Porque fala-se em chocolate e a gente pensa logo naquela coisa grossa que servem em Espanha, que quase dá para segurar a colher de pé. Vem sempre quente com'ó caraças e depois de escaldarmos o bico com o primeiro golo (é fatal; por muito que se assopre, lá por baixo está sempre a ferver) deixamos arrefecer um bocadinho e aquilo começa a criar uma camadinha ao de cima, tipo pudim - nham!
Isso é um chocolate quente. Aqui na pátria lusa, seja por forretice, por desenrascanço ou simplesmente por falta de receita certa, o "chocolate quente" é uma caneca de leite amornado na máquina do expresso com pó de cacau lá dentro. E depois bem tentam disfarçar a coisa com umas natas de lata, que têm sempre um certo travo a sabão, mais um bocadinho de canela por cima, mas nem por isso deixa de ser uma bodega.
E depois não digam que eu não avisei.

E agora as minhas meninas;
Isto que aqui vêem é o fundo da minha cama. Exacto: dei-me ao trabalho de dormir com a máquina à cabeceira só para captar o cenário habitual das minhas madrugadas.
À esquerda está a Zoya, à direita a Pixie, e o altinho ali no meio são as minhas pernas completamente entaladas entre as duas. Chego a dar por mim com um pé de fora para conseguirmos lá caber as três, porque elas conseguem ocupar sempre muito mais espaço do que eu. Porque as leis da física raramente se aplicam aos gatos.

Aqui, eu estava a fritar batatas e tinha preparado um prato com duas toalhinhas de papel para absorver o óleo. Coisa altamente convidativa para qualquer gato que se preze, evidentemente:
 Pixie no prato.

Uma outra versão do gato escondido com o rabo de fora:

E a prova de que o esfregão de arame afinal é um brinquedo muita giro. Mesmo a saber a detergente e tudo.
E antes que alguém tenha ideias parvas, convém destacar que isto é perigoso e que não se pode deixar um esfregão de arame ao alcance de um gato. Isto só durou o tempo de registar o momento antes de lhe tirar aquilo da boca.

A Pixie a rebolar na varanda, nitidamente a convidar-me a meter a mão naquela barriga gorda

para me poder ferrar o dente, claro:


Olá... qu'é aquilo?

Pera lá qu'eu já t'agarro...

Era o atacador do meu sapato, a provocar descaradamente a Pixie enquanto eu estava ali de gatas no chão, mas não fotografei a grande luta que se seguiu. Ganhou o atacador.

Mais coisas bonitas:
 O arbusto da Odete cheio de penachinhos lilases. Não sei como se chama. Provavelmente ela também não.

Mas pelo menos sei que isto é uma romãzeira. Só não sabia que davam flores tão cedo; estava convencida de que era só mais para o Outono.


Uma rosa entre os buracos de um muro,

uma flor grande e amarela que não se apresentou

e aqui a ideia não é mostrar que tenho um anel muito lindo - é comparar o tamanho da minha mão com o desta couve lombarda que a roseira deu:

Mais rosinhas, estas de tamanho normal:


A Sally a ver a que cheira a erva da fortuna:

Uma coisa linda a olhar para mim com um ar um tanto refilão:

E eu 'tou escondida.
Uma gata malhadinha que de vez em quando aparece no quintal da tia. Ainda não lhe consegui deitar a mão.   Mas aguardem os próximos capítulos...

Um caracol matulão nas folhas dos jarros:


O ermita c'a traça:



Pelo chavascal na rotunda, presumo que a equipa da casa ganhou o jogo. A seguir os jogadores foram todos ao banho para dentro do lago, como já é habitual. Já ia sendo tempo de construírem uns balneários decentes para a rapaziada, não?

Só para rematar;
aposto que a família deste desgraçado ainda teve de pagar o trabalho: