28.9.11

Fumarada

Doze fósforos queimados e a sensação de ser uma nabiça; o resultado da minha segunda tentativa para manter o cachimbo aceso por mais de um minuto de cada vez, porque o sacrista se apaga constantemente.

Depois da experiência de ontem, altamente frustrante, andei à procura de instruções e encontrei um moço brasileiro no youtube com alguns conselhos práticos e uma demonstração que dava a ideia de que afinal era uma coisa de carregar pelo bico (literalmente) – calca pouco para deixar uma câmara de ar lá no fundo, mete mais um bocadinho, carrega, chega-se-lhe o lume e pronto já ‘tá. Fiquei logo cheia de fungas para ir experimentar a técnica do rapaz, mas tinha acabado de deitar meio fornilho de tabaco para o lixo, já farta de gastar fósforos e de não conseguir dar nem uma baforada decente, e entretanto já tinha lido num site que se deve deixar o cachimbo repousar durante pelo menos 24 horas antes de nova utilização (ou seja, um fumador a sério deve ter pelo menos dois cachimbos). Por isso lá o deixei a repousar, para amaciar devidamente (aprendi o termo no tal site), ainda que duvide bastante da qualidade do meu cachimbo. E repouso teve ele durante os últimos quinze anos, pouco mais ou menos, e calhando é por isso que lhe achei um franco gosto a esturro enquanto chuchava a boquilha à força toda, a tentar manter o desgraçado aceso.

Pois o meu cachimbo, o Osvaldo, foi um presente da minha mãe quando eu tinha 16 anos e a mania de pôr nomes a todos os objectos que me agradavam particularmente (também tinha um chapéu chamado Ernesto). Pode parecer uma prenda um tanto bizarra, incitadora a maus hábitos, mas era uma gracinha da progenitora porque terá sido mais ou menos nesse ano que eu decidi que queria fazer carreira na marinha mercante (nessa altura ainda não havia meninas na militar), e ela achou que um cachimbo seria parte fundamental da fardamenta quando eu me tornasse a “senhora capitã” (acho que ela dizia “a senhora comandanta”, mas pronto). Dois anos mais tarde, a marinha estava numa crise do caneco, a ir ao fundo à força toda, e lá me convenci de que o mais provável seria tirar o curso e acabar em terra, enfiada num escritório e chateada que nem um peru. Foi assim que me resolvi a mudar de área e a tirar um curso que também não servia para nada mas pelo menos era interessante, além de que dá sempre jeito ter um canudo qualquer para pôr no currículo. Mas isso já são outras histórias.

Bom, sendo uma prenda no gozo vinda da progenitora, sempre presumi que, apesar de bonitinho e elegante, o cachimbo fosse uma coisa baratucha e sem grande qualidade (que era o que eu teria comprado no lugar dela, evidentemente). Comecei então a experimentar dar umas fumaças com um pacote de tabaco de uma marca portuguesa, um tanto roscoff mas com um cheirinho decente, o Gama, que pelos vistos agora já nem existe (‘tou mesmo velha, caraças). Na gaveta, aquele pacote do Gama deve ter durado uns vinte anos, até que por fim o deitei fora, para ter a certeza de que não o ia voltar a experimentar, porque eu já me conheço – demasiado forreta para ir comprar outro, mas ciente de que aquela coisa já devia ter mais fungos e ácaros do que nicotina.

Fumar no Osvaldo sempre foi um processo difícil, com o coisinho a apagar-se constantemente, a exigir paciência, mas não me saía lá muito mal. Era raro pegar nele, mas aqui há uns anos, quando trabalhava na biblioteca, apareceu-me um senhor bigodudo de cachimbo nos queixos a tirar medidas para as estantes novas e aproveitei logo para lhe perguntar qual era o segredo para manter aquilo aceso até ao fim.

“Ah, mas isso é normal, isto volta e meia apaga-se e é preciso voltar a acender, é assim mesmo, nunca aguenta até ao fim.”

Lá fiquei mais descansada. Afinal não era assim tão naba como eu pensava – não era defeito, era feitio.

Entretanto nos últimos anos perdi o norte ao Osvaldo, algures no sótão, vítima de duas mudanças, que fazem sempre umas quantas baixas, como o meu lindo conjunto do saleiro e pimenteiro, que ainda não consegui encontrar desde que vim do Cacém City para a Terra dos Loureiros, assim como a biografia do Che Guevara e um livro de cozinha que tinha a receita de umas bolachinhas de manteiga que eram um espectáculo.

Encontrei o cachimbo um dia destes quando andava a remexer nos caixotes e na sexta-feira passada resolvi comprar um pacote de tabaco para matar saudades. E como disse, a primeira tentativa de ontem sabia a esturro e apagou-se praticamente a cada trago. Puf puf e já ‘tá. Uma chatice do caraças, que me fez ir à procura de instruções na net. O resultado de hoje foi um bocadinho mais animador e suponho que, com alguma prática, venha a conseguir fumar cachimbo com alguma eficiência. Mas depois do que li, acho que vou reformar o Osvaldo e comprar um coisinho bonito, daqueles castanhos e polidos, de fornilho largo e talvez de boquilha curva, para evitar o óleo amargoso que começa a escorrer para a boca ao fim de um bocado a puxar por ele. De acordo com os experts da net, será possível encontrar um cachimbo decente por cerca de trinta euricos, o que me parece muita fruta, mas só vendo – e depois, se bem me conheço, devo acabar por me encantar por qualquer coisa muito acima do dobro. Enfim, talvez venha a ser a minha auto-prenda para este Natal.

Entretanto vou treinando com o Osvaldo.

Aceitam-se dicas, truques e afins.

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