13.12.07

Diário do Oeste - 1

São cinco e um quarto e o meu horizonte de quase 360 graus está lavanda claro. A vantagem de viver numa torre é esta paisagem toda. A desvantagem é ter de chegar cá acima, porque não há elevador. À noite levanta-se vento, as janelas estremecem todas e as frestas uivam, ao melhor estilo casa assombrada (weeee!!!). Ok, já sei, agora no Inverno vou ter de calafetar isto tudo para poupar energia e essa coisa toda, mas por enquanto é bastante fixe.

Além das compras semanais para me abastecer, a única saída do dia é normalmente o ginásio. Até agora tem sido a melhor oportunidade para observar os indígenas da Terra dos Loureiros e para ter algum contacto com eles. É muito mais difícil relacionar-me com os nativos daqui do que na ilha; o que é perfeitamente normal e previsível, porque lá eu estava em casa de famílias que me misturavam com outras pessoas e aqui estou sozinha com o gato.
Mas voltando ao ginásio. É um tanto diferente de todos os outros por onde passei até agora. Agrada-me bastante porque o treino é bastante melhor do que o do Cacém City, por exemplo, mas espanta-me o facto de grande parte dos homens tomarem suplementos e de alguns andarem a meter esteroides à descarada. Na semana passada houve um concurso qualquer a que uns quantos deles foram assistir, o concurso do Mister Batatas, com certeza, a avaliar pelas imagens do cartaz. E estranhamente os meus colegas olhavam para aquilo com alguma inveja confessada, por não se sentirem à altura dos batatudos do cartaz. Às vezes é bastante evidente que o ideal de beleza dos homens e das mulheres é muito diferente do que seria de esperar. Claro que isto não se aplica a toda a gente, mas pela tendência geral o ideal dos moços é tornarem-se cada vez mais musculados, até chegarem ao exagero daquelas batatas aberrantes dos super-heróis da banda desenhada rasca, que costumam meter nojo à maioria das mulheres. Por outro lado, o ideal das meninas é tornarem-se cada vez mais magras, o que acaba inevitavelmente numas perninhas estilo palito arqueado, o que as torna bastante desinteressantes para a maioria dos homens. Há aqui qualquer coisa que não bate certo... Até mesmo em termos de evolução da espécie. Mas isto não tem nada a ver com evolução, tem a ver é com uma tendência cerebral qualquer para cairmos facilmente no exagero. É claro que isto é só para quem persegue o tal do ideal de beleza, como os moços do ginásio que emborcam esteroides; a maioria do pessoal até pode ter ideais, mas parte do princípio que são inatingíveis ou que exigem demasiado esforço e continua de cu sentado no sofá a trabalhar para a banha, ora pois.
É um sítio onde falta muita coisa. Tenho de ir a Torres para arranjar seitan, tenho de encomendar a comida para o gato porque ninguém tem a marca de que ela gosta, há quinze dias que o Minipreço não tem suicinhos dos meus e no mês passado nem sequer havia selos nos Correios (!!!).
A corrente eléctrica é bastante irregular, daí que o fulano que me vendeu o meu lindo computas me quisesse impingir um estabilizador, que na altura achei perfeitamente dispensável. De facto, há dias em que a maquineta se apaga e reinicia, como se eu tivesse carregado no reset, ao mesmo tempo que a luz do candeeiro fica mortiça e amarelinha e o meu gravador de chamadas se desliga com um trlipipi e fica tudo em branco. Por outro lado, quando há tempestade (já apanhei várias desde que cá estou), o gravador farta-se de se manifestar e há um candeeiro que se acende sozinho, enquanto os carros lá em baixo tocam os alarmes em coro – uma festa. Nunca me tinha acontecido destas no Cacém City.
Mas em compensação o ar é muito mais leve que o da cidade e a vila é suficientemente pequena para se poder ir a todo o lado a pé. Há duas farmácias na terra, uma perto da outra, o que quer dizer que não é preciso ir muito longe para encontrar a que está de serviço.
Normalmente não há gente à espera nas urgências do posto de saúde, é chegar e entrar. É claro que nos mandam para Torres ou para Lisboa à primeira dificuldade, mas a rapidez é bastante reconfortante para quem está à rasca.
De vez em quando há casas assaltadas e carros roubados, mas ainda não ouvi falar de ataques directos, tipo “para p’ra cá a carteira”, nem nada que se pareça. Só os crimes passionais e os ajustes de contas próprios das terras pequenas, onde toda a gente se cusca uns aos outros e se sabe logo quem é que pôs os palitos a quem e quem é que andou a lixar o negócio ao parceiro – o trivial, inofensivo para quem não se mete em sarrabulhos. ...Esperemos.

Aqui há dias o fulano da bomba de gasolina perguntou à minha tia se eu era viúva. Aparentemente não há mais góticos por aqui, mas também ainda não saí à noite, não vi a fauna nocturna local; talvez eu seja exemplar único, mas não acredito. Mas como não será pelo menos habitual, a malta estranha. E se assim não fosse, quem estranhava era eu.

E vocês viram o Bush e respectiva famelga a fazerem figuras tristes na televisão? Bom, de facto eu nem sequer liguei ao que estavam a dizer, acho que era uma treta natalícia qualquer, porque a minha atenção estava toda focada nos canitos, dois scottish terriers (= pelo-de-arame todo preto de patinhas curtas, para quem não está a ver), que é uma raça que me agrada muito por ser bestialmente activa, tipo cão a pilhas, danado prá dentada, e que no entanto ali no anúncio pareciam uns pastelões, que nem pica tinham para correr atrás da bola. O comportamento dos canitos era tão atípico, que não posso deixar de perguntar – será que aquele sacana anda a dar calmantes aos cães?! Cá p’ra mim eles estavam pedrados. Palavra. Como se já não bastassem as outras barbaridades todas...

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